3. Quarta-feira, 2 a.m.

às vezes escrevo
3 min readApr 8, 2023

--

me acostumei a pegar a estrada que vai até sua casa, parar a duas quadras dela e só ficar sentado na calçada. faço isso desde que você partiu. pontualmente às quartas-feiras às 2h. dirigir a essa hora é ótimo porque não tem mais nenhum trânsito na rua, posso atingir 100km/h tranquilamente no meu Cobalt e nada vai me parar.

você detestava quando eu acelerava muito, mesmo em autoestrada que é necessário andar mais rápido do que o usual. mas era só colocar a sua playlist de lavar louça que você logo abstraía e cantava a plenos pulmões. você tinha essa particularidade que todas as playlists precisavam ser tocadas em momentos totalmente diferentes do proposto no nome. as músicas para lavar louça tinham que ser ouvidas no carro. as músicas para pegar estrada tinham que ser ouvidas podando plantas, e assim por diante. era o que eu mais amava em você.

eu detestava essa distância que nos separava. moramos muito longe um do outro e seria insustentável continuar dessa forma, por isso me mudei pro bairro vizinho. foi uma diferença significativa de 4h pra 25min de viagem. eu fiquei um pouco mais longe da faculdade e do trabalho, mas valia a pena ter a certeza de que veria você ao fim do dia, nem que fosse só por meia hora. a sua presença me acalmava de todo o estresse do dia, seu perfume me preenchia por completo e eu dormia com ele preso no meu olfato ainda. seu abraço era como uma onda forte na orla da praia, seu beijo uma cumulonimbus. arrebatava todo mal de mim.

você amava comentar os fatos mais aleatórios sobre a produção dos filmes que assistíamos juntos. lembro até hoje do seu entusiasmo ao contar que o dicaprio realmente tinha cortado a mão naquela cena em django em que ele quebra uma taça. você amava quando eu fazia um jantar surpresa e você detestava surpresas. essa era a única que você gostava.

eu amava ouvir você cantando, ver o seu sorriso e sua euforia com as bandas e artistas que você era fã. aprendi a gostar das suas bandas favoritas para podermos ir aos shows juntos e ouço até hoje. eu adorava deitar na varanda contigo, ver o pôr do sol enquanto suas músicas tocavam. fazer nada era muito melhor com você.

na playlist que estava tocando no carro essa semana tinha todas as suas favoritas do john mayer, da pomme e do citizen. a playlist era “pra fazer almoço”. era a escolha das mais melancólicas.

não tenho coragem de chegar mais perto do que uma quadra do seu condomínio, muito menos tenho forças para isso. a imagem do seu corpo no chão ainda me atormenta e assombra meus sonhos. por isso saio a essa hora de casa. tenho insônia às quartas, duas da manhã pois foi quando recebi a ligação dos seus pais dizendo o que tinha acontecido.

já se passaram 5 meses desde o ocorrido, voltei para minha antiga casa mas ainda venho até aqui porque não me habituei a viver sem você. venho numa falsa esperança de te reencontrar, mesmo sabendo que não vai acontecer. sempre trago sua flor favorita, como de costume.

essa semana, precisei de um drink (ou dois, ou três, não lembro). na volta, chovia forte na estrada. meus olhos se afogavam, eu estava bêbado de saudades. ouvi sua voz chamar o meu nome, ao mesmo tempo que meu corpo flutuava em direção ao mar.

--

--